Filipa Mendonça. 22 anos. Nascida em Santana, na Madeira, onde passou 17 anos da sua vida. Define-se como chata e teimosa, apaixonada por fotografia e por pessoas em geral. Aos 12 anos decidiu ser enfermeira, profissão que exerce feliz em Guilford, UK há quase um ano após quatro anos de licenciatura na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro. Aos 22 anos considera que tem 75% dos sonhos concluídos.
Aos 10 anos começou a ler em inglês o Harry Potter, uma vez que a tradução nunca mais saía em Portugal. A teimosia de Filipa, que já aos 10 anos se manifestava, ajudou-a a abraçar esta oportunidade. Depois de uma viagem com amigos até Londres, aos 14 anos, Filipa apaixonou-se pela cidade e decidiu que teria que viver, pelo menos, uma temporada da sua vida no Reino Unido. Depois de ter tirado o curso de enfermagem, foi isso que aconteceu.
Filipa, tiraste o curso de Enfermagem em Aveiro, certo? Durante o teu percurso académico consideraste alguma vez ir para o estrangeiro?
A minha decisão de ir para o estrangeiro já vem desde os meus 15 anos. Sempre quis sair e sempre achei que podia crescer mais e, para isso, teria de sair uns tempos das asas dos meus pais. O “ir para fora” acabando o curso já estava implementado na minha cabeça muito antes de começar.
Quando é que decidiste ir para o Reino Unido?
Aos 14 anos viajei 4 dias para Londres com um grupo de amigos e apaixonei-me pela cidade. desde então procurei saber mais da vida no UK e decidi que era onde queria passar parte da minha vida, independentemente das surpresas que o meu caminho me pudesse oferecer.
Quando te mudaste já tinhas procurado emprego ou foi algo que procuraste posteriormente?
Antes de concluir a licenciatura, por meados de Fevereiro, comecei a tratar das burocracias que o NMC (Nursing and Midwifery Council, órgão regulador da profissão no UK e Lowlands) exigia e também comecei a investigar o mercado de trabalho da minha área. Concluí o curso com uma oferta de emprego para Enfermeira de Cuidados Gerais no local que trabalho no momento.
Como foi adaptares-te a uma nova cidade, a uma língua e cultura diferentes?
Para mim, não posso dizer que foi uma experiência difícil, exigente e complicada, muito pelo contrário. Passei 4 anos longe de casa e acho que vi com algum “treino” para esta situação. Nunca é a mesma coisa comparar o iniciar a vida de estudante universitário para a vida adulta, mas em alguns aspectos não difere muito. Vim de mente aberta, e sendo da minha personalidade o gostar de conhecer novas culturas, viajar e abrir os braços para rotinas diferentes da minha, ajudou imenso na minha integração. Também pude contar com amigos próximos da faculdade já instalados por cá e sei que sem eles, se calhar não teria sorrido tanto quando me mudei. A língua também não foi complicada, já como anteriormente referi, comecei a ler em inglês aos 10 anos, por isso nunca foi entrave.
Quais foram as maiores dificuldades que sentiste nessa adaptação?
As maiores dificuldades foram relacionadas com a metodologia de trabalho que encontrei e com os horários ingleses, por exemplo, das refeições. O Inverno, apesar de ser uma pessoa mais do frio do que do calor, foi complicado de aguentar pelo facto que as 15h já está noite cerrada e o corpo começa-se a tentar desligar. O procurar casa, pagar contas, tudo o integrante da vida adulta combinado com o estar num novo país foi algo complicado de gerir nas primeiras semanas.
Quando foste para o Reino Unido nunca tinhas trabalhado, como foi trabalhar pela primeira vez na tua área num país diferente daquele em que tiraste o curso?
Ainda considero que é um grande processo de aprendizagem e, não querendo ser mal interpretada, uma luta diária. Os métodos de trabalho e a própria formação académica do país condicionam muito a nossa prática cá. Como sabemos e bem, os enfermeiros portugueses têm a mais elevada reputação e são conotados como os enfermeiros mais bem formados do Mundo, e não é treta nenhuma. A formação do Reino Unido é bastante básica, algo que não estava à espera e os conhecimentos são muito básicos. Infelizmente, Inglaterra é considerado um país futurista e é com muita tristeza que posso dizer que em relação à Saúde, é dos países com mais fundos para ter um bom sistema de saúde que não se verifica. Pelo contrário. Tendo experiência no privado e conhecedora do sistema público do país, é extremamente revoltante ver que um país que tem poder para investir na educação e treino de bons profissionais e daí advir um melhor fornecimento de serviços, faz exatamente o contrário. É um país retrógrado, que falha mesmo no senso comum. Não se verificam conhecimentos de assepsia e tratamento das mais variadas feridas, e muitas vezes, da própria dignidade e privacidade do utente/cliente. Posto isto, não posso dizer que é um inferno trabalhar cá, como muitos amigos meus assumem depois de contar as histórias que já presenciei. O salário, o reconhecimento do nosso trabalho é muito bom, excelente mesmo. Um enfermeiro português cá progride na carreira num abrir e fechar de olhos e é muito gratificante ver colegas e amigos se esforçarem diariamente, longe de casa, muitos obrigados, mas no fim do dia serem altamente reconhecidos por diversas entidades, o que num futuro bem próximo, dá frutos. Quando digo que dá frutos, não é treta também; a promoções cá acontecem e não são brincadeira. Quando em algum dia em Portugal neste momento, se estivesse a trabalhar, seria promovida já uma vez e candidata de Mestrado, financiado pelo meu local de trabalho? As coisas boas vêm para quem trabalha, não para os que esperam. E não é mentira nenhuma.
Tiveste vários estágios ao longo do curso e conheceste bem o funcionamento dos hospitais portugueses, que diferenças encontraste entre o local onde trabalhas e a realidade que conheceste enquanto estagiária?
Sinceramente, é uma realidade completamente paralela e acho que se descrevesse todas as diferenças, nem 4 páginas me chegavam. A grande diferença para já passa pela burocracia: papéis para tudo e mais alguma coisa. Poucos serviços são aqueles que têm sistema informática para gestão de informação clínica e os que têm, estão em fase experimental. Portanto, venham de caneta preta em punho, que a quantidade de papel que me passa por turno pelas mãos é simplesmente inacedível. Segundo, os turnos. Os turnos são bastante exigentes devido à carga horária maioritariamente; a maior dos turnos que os enfermeiros exercem são de 12h, seja dia, seja noite. Há half shifts o que significam turnos de 6h, iniciando-se as 8h ou as 7h, dependendo da instituição. Ainda nos turnos, o racional de staff. Infelizmente, somos paus para toda a obra e podes estar a trabalhar num piso aqui a lidar com pacientes cardíacos, como na hora seguinte estás noutra enfermaria completamente diferente a aspirar secreções a um utente de Pneumologia. As administrações trabalham em prol do dinheiro e se são precisos 5 membros de staff para 24 utentes, podem eles serem todos magros e completamente independentes, como todos obesos e acamados, que o número de staff não sairá dos 5. Isso muitas vezes poem em causa o tipo e a qualidade dos cuidados exercidos. Mais uma vez, como referi, os conhecimentos dos profissionais ingleses muitas vezes são deploráveis. E quando digo que diariamente, é o “coitadinho” do enfermeiro português que mete a capa e é o super-herói do turno, não minto.
Podes dizer que existe uma “comunidade portuguesa” coesa no Reino Unido? Conheceste muitas pessoas em situações parecidas com a tua?
Há sim. «Mais que as mães», como se diz popularmente. A maioria dos meus colegas de curso, se não mesmo todos, estão na mesma situação que eu e muitos deles no UK. E é engraçado, porque acaba-se a trabalhar com pessoas que nem tiraram o curso connosco mas que são amigos de infância, ou colegas de formação de inglês com aqueles que foram nossos companheiros de faculdade. Por isso sim, portugueses não faltam!
Estás a gostar da experiência?
Eu já falei demasiado, por isso a resposta para este, em duas palavras: Sem Dúvida.
Do que é que sentes mais falta do teu país?
Sinto falta da comida, do café, da família, de ver o mar todos os dias. Sinto mais falta dos tempos de faculdade em si e de não ver as mesmas caras todos os dias. Sinto falta da tasca da esquina, do cheiro do pão, da minha avó a bordar num banquinho ao pé de casa. Sinto saudade da poesia das palavras portuguesas e dos dois beijinhos na cara para cumprimentar alguém e aquele abraço apertado (porcaria de ingleses e o seu aperto de mão tão educado!).
Tencionas voltar para Portugal?
Neste momento, nem no Reino Unido tenciono ficar. Nunca se sabe, um dia talvez. Ainda só tenho 22 anos, nem sei o que vou comer ao jantar!
Como vês a imagem dos “novos emigrantes”? Consideras que ainda existem estigmas acerca do tema e receio de emigrar?
Acho que somos muito mal interpretados ainda. Somos considerados por alguns, aqueles que não pensam no país que deixam para trás, que não investem, que não se preocupam, os anti-nacionalistas, isso revolta-me. Acho que acima de tudo, isso é o que me entristece mais. Meus senhores, eu nunca escolhi querer viajar e querer vir para fora, assim como eu e milhares como eu não tomaram as decisões que afundaram o nosso belo Portugal. Nunca escolhemos ficar sem trabalho, nunca escolhemos não agradecer aos nossos pais a fé e o esforço que depositaram em nós. Nunca escolhemos deixar a família em lágrimas e passar as noites acordados a contar os dias para ir para casa. Nunca escolhemos haver portas abertas para nós nos outros lados. Nem nunca escolhemos ser vistos com tão pouco respeito.
Queres deixar alguma mensagem para quem está a considerar tentar a sua sorte lá fora?
A mensagem que deixo é: chorem o que tiverem de chorar, pensem o tempo que tiverem de pensar. Uma semana, um ano. Pensem de cabeça mas pensem também de coração. A verdade é que irão pensar sempre no que estarão a perder todos os dias em casa. Vão passar noites em branco, vão-se arrepender e se calhar poderão voltar passado pouco tempo. Mas também digo: se vierem de mente e braços abertos e sim, com um bocadinho de sorte, poderão ter boas surpresas todos os dias e quiçá, pensar que o futuro fora não é negro e triste como se pense. O futuro somos nós que escolhemos e não obra do acaso. Tentem mesmo que odeiem a experiência, tentem a sério. Porque mais vale tentar e falhar, do que ficar parado e frustrado por nunca ter tido coragem.
Entrevista por Inês Almeida